segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Minha infância abarcou grande parte da década de cinquenta e boa parte da de sessenta... o mínimo que posso dizer dela é que foi fértil e cheia de sol. Dentre as milhares de lembranças que povoam minha mente, quero agora destacar uma delas em particular: é que não se viam pessoas aleijadas pelas ruas. Era raríssimo ver algum tipo de deficiente, quer físico quer mental, perambulando pelas calçadas, misturados aos outros passantes. Lembro que quando a gente - qualquer criança - via um sujeito mancando, a gente logo dizia - e na frente dele, às vezes (como toda boa criança inocente): "mãe, o que é que ele tem na perna?" Ou então: "mãe, esse homem não tem perna".... "mãe, aquele homem é cego"... "mãe, cadê a mão dele?" "Mãe, o que aquela velhinha tem nas costas?" e coisas do tipo. Mas não havia maldade de parte alguma. A gente conseguiu conviver com cegos, pernetas, manetas, corcundas, mongolóides (como a gente chamava o pessoal da síndrome de down), leprosos, tuberculosos e, por que não dizer, negros e todo tipo de gente que se destaca por alguma característica própria. Muito particularmente por força de um motivo muito simples: esse tipo de pessoa "diferente" não costumava sair de casa. Não frequentava as ruas por uma questão de respeito, de postura, de dignidade. Lembro que a gente só tinha mesmo medo era de ciganos que, segundo as mães da gente, para evitar que a gente ficasse muito tempo longe dos olhos dela, ou para que a gente não falasse com estranhos, "roubavam criancinhas". Mas esse medou passou, claro. Antes eu poderia dizer a qualquer um, do modo mais natural possível, que "eu tenho um amigo preto", ou um amigo japonês, mas hoje não. Não posso nem dizer ao meu amigo que ele é preto. Eu arranjaria um inimigo. Além de correr o risco de ser preso. Homossexuais, por exemplo. A gente até poderia ter um amiguinho que fosse, mas a gente só descobriria muito mais tarde e a coisa toda estaria encoberta por um véu de discrição e pudor. Hoje não. A agressividade com que se impõem na sociedade chega a ser literalmente mortal. Enfim, hoje observo pelo menos dois tipos de fenômenos diferentes: enquanto por um lado o preconceito e a discriminação prevalecem, por outro as minorias ficam cada vez mais agressivas, totalitárias, fascistas. A pseudo luta contra o preconceito e a discriminação cresce na mesma proporção que a agressividade das minorias. Nós outros, vamos dizer assim "os normais" somos forçados literalmente a engolir goela abaixo toda espécie de reinvidicação e de imposição maluca. Às vezes me sinto assim, empregando uma exemplo grosseiro, forçado, beirando a um pesadelo infantil, como se eu fosse uma criança assustada com o aspecto de um leproso, e ele ele tomasse meu pirulito, lambesse, passasse pelo corpo, me devolvesse e gritasse para eu continuar lambendo meu pirulito. Em resumo, na maioria das vezes me sinto profundamente agredido por coisas que acontecem e não tenho obrigação de aceitar. Vejo que falta respeito e civilidade, urbanidade, de todos os lados. Vamos fazer uma colocação: um homem sem pernas, que em princípio deveria estar em casa, recebendo cuidados, uma velhinha caduca está na rua, quando deveria estar em casa recebendo cuidados, levam uma buzinada grosseira, ou ofensas verbais, ou qualquer coisa do tipo, como se estivesse ali atrapalhando. Processam o agressor e vencem uma batalha judicial por uma indenização material e moral. Pronto. Pelas atitudes recíprocas, do deficiente que deveria estar em casa recebendo atenção de familiares, ou do homossexual que deveria estar em casa, preservando sua intimidade, do cidadão estúpido e mal formado que encontrou pela frente, a humanidade é que acaba aleijada, caminhando aos tropeções. A humanidade é que anda aleijada e deficiente física e mental, só porque ninguém mais respeita barreiras, limites.

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