sábado, 25 de setembro de 2010

BRASILEIRO E O FETICHE DO SUPOSTO


Fico impressionando com a generosidade com que o brasileiro - nossa mídia mais ainda - emprega indiscriminada e copiosamente o vocábulo "suposto", especialmente quando se trata de atribuir comportamento claramente delituoso a determinados indivíduos, especialmente os que possuam algum destaque sócio-político. Em qualquer outro país, toda e qualquer personalidade, independentemente da área pela qual circule - governamental, artística, esportiva, etc - atingida por manchetes de cunho delituoso e escandaloso se vêem, do dia para a noite, indigitadas, acusadas, julgadas e punidas. O cantor tal foi preso por estar dirigindo embriagado, foi preso por ter sido apanhado fazendo sexo em público, preso por estar portando algum tipo de droga, o político tal foi preso por ter cometido tal ou qual falcatrua ou por ter se envolvido em algum escândalo qualquer, do tipo trair o cônjuge, seus negócios, ou seu país. Enquanto que aqui o procedimento é, automática e instantâneamente, dirigido para a eliminação da certeza do cidadão sobre os fatos e de sua consicência, ou de seu juízo de valor. Artistas, atletas e, principalmente políticos raramente são alvos de alguma acusação solene. Um ou outro no máximo vira manchete de revistas de fofocas. Basta o acusado alegar desconhecimento dos fatos que sua eventual culpabilidade já é afastada, assim como a importância material do ato em questão. A notícia sempre vem recheada de considerações do tipo "afastado em virtude de suposto envolvimento com a compra de apoio de parlamentares".... ou então "pelo envolvimento em supostas irregularidades na aplicação de recursos fornecidos por algum banco". Outro alega que acusações estão sendo feitas com "a finalidade de lançar dúvidas e suspeitas sobre sua pessoa". Outro é acusado de "supostas interferências em fundos de pensão e suspeita de envolvimento em escândalos". Outro é apanhado como "suspeito de haver recebido" alguma determinada quantia para acobertar fraudes de grupos de interesses. Alguns alegam que "foram induzidos ao erro" e outros, como já dito, simplesmente negam absolutamente tudo, começando por negar a credibilidade do acusador. Todo nosso conceito de certeza se esvai com a fumaça da suposição que se lança sobre a materialidade e a autoria do delito (isto é, "não há crime" e "não foi ele") e, basicamente, sobre a responsabilidade subjetiva ("o coitado é inocente"). Com certeza esse tipo de "cordialidade" tipicamente brasileira (que já foi objeto de meritórios trabalhos literários) fornece um vasto campo de pesquisa que daria ainda muito trabalho para professores em salas de aula, para os pais, no recesso de seus lares, para a polícia, que transforma em glória suprema a encarceração de punguistas, para o Poder Judiciário, que deveria afunilar, em direção a esse tipo de crime que grassa pelo país, seu olhar perdido nos milhões de casos inócuos em que se vê mergulhado, e o Ministério Público que, na condição de fiscal da lei, não fiscaliza mais nem a si próprio. De nossos poderes legislativo e executivo seria de se supor que estivessem servindo à nação brasileira. Nossas autoridades, enfim, quando já não tem nenhuma, compensam com o autoritarismo.

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