segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

OPEN SOURCES e FAHRENHEIT 451 MORAL

A mídia tem trazido a informação de que "uma organização sem fins lucrativos, a Open Source Indexers criou um software que filtra dados públicos na web para prever crises". Com isso torna-se possível aglutinar por assuntos, endereços, URLs, logins, etc. coisas do tipo quem fala o que com quem, de onde, como, quando e por que. Modo de controlar o pensamento, controlar e prevenir rebeliões, revoltas, movimentos político-sociais e religiosos, se for o caso. Ou até gente que usa a internet para trocar receitas de culinária ou maneiras de alimentar os gatos em casa. É muito mais do que Orwell poderia imaginar. Outro aspecto importantíssimo deste nosso universo cibernético é o que se poderia chamar de "Fahrenheit 451 moral".  Fahrenheit 451 é um clássico da literatura de ficção científica, de  Ray Bradbury, 1953, transformado em filme, hoje um "cult", por Truffaut, em 1966. Em um futuro hipotético não se podia mais ter livros em casa, para que as pessoas não se tornassem "infelizes e improdutivas". Vizinhos e parentes denunciavam a existência de livros nas casas e bombeiros - que não mais tinha a missão de apagar incêndios - eram chamados para queimar os livros (Fahrenheit 451 é a temperatura em que o papel queima).  Um dos "bombeiros" costumava, durante as empreitadas, esconder alguns livros para ler e acabou denunciado pela própria mulher.  Havia um local escondido em meio a uma floresta, em que "homens-livro" (homens, mulheres e crianças, vivendo isolados e em segredo) decoravam livros, como uma forma de os preservar para a posteridade. E cada um deles tinha o nome do livro que estava incumbido de decorar: outra ficção que se torna uma pavorosa realidade. É raro encontrar pessoas com bibliotecas em casa. Em contrapartida, é comum encontrar todo tipo de traquitana cibernética: tabuletas, os tablets, ipads, iphones, androids, notebooks, smart isso, smart aquilo, que proporcionam a comodidade de bilhões de informações momentâneas e instantâneas para o usuário. Lembrando que informação nunca foi sinônimo de cultura, temos que o excesso de informação acaba levando à mais pura alienação. É evidente que o acesso a um conteúdo realmente cultural, por meio da internet,  fica restrito a quem sabe o que quer e como procurar para encontrar. De outra forma o usuário se transforma em mais um passageiro da nau dos insensatos. Esse novo tipo de "civilização" criou seres dissociados da realidade, sem critérios de avaliação, sem padrões de comportamente, sem valores perenes, sem opinião própria e, o mais grave, totalmente desagregados. Desta forma se torna possível ocultar o passado de quem nasceu há pelo menos duas gerações. Quem está na faixa dos trinta anos de idade não tem a menor noção do que tenha sido o mundo de seus pais e avós, a não ser que esteja possuído de um alto grau de curiosidade científica e sede de saber. Mesmo assim vai ser difícil ligar os pontos entre o que houve e o que há, entre o que foi e o que é.  Porque as pontes ligando o passado estão sendo cada vez mais "queimadas pelos bombeiros". Um mínimo de seres humanos atuais é capaz de proferir o nome de algum compositor barroco inglês, por exemplo. Talvez as pessoas até possam saber o que seja um compositor, ou até mesmo saber quem ou o que seja um inglês, mas pedir para juntar tudo numa só informação seria pedir demais.  As pessoas podem tomar conhecimento, hoje em dia, do que ocorre entre judeus e palestinos, entre as coréias, ou quando caem a bolsa de Nova York e um ditador. Mas não estão preparadas para discutir a fenomenologia causa e efeito. Exemplo tosco seria quando alguém comparasse a fala de algum ministro de estado com a fala do famoso Cantinflas. A comparação iria ficar levitando na atmosfera defronte a cara de paisagem do interlocutor, porque dificilmente o eventual interlocutor teria algum conhecimento sobre quem ou o que deixou de ser ou foi Cantinflas. A existência de livros em casa, aqueles famosos alfarrábios, os livros de páginas amareladas, esses que impedem esta nova geração, a geração rinite, de chegar perto, aquelas boas e velhas enciclopédias, nos bons tempos vendidas às portas de casas,  aquelas que contavam a existência do Congo Belga, ou contavam as experiências de Galileu na Torre de Pisa, de Madame Curie e de Roehtinger, o inventor do Raio-X ou como, de fato, funcionaram as entradas e bandeiras e o sistema de escravidão nas colônias, enfim, ter uma biblioteca em casa é um processo em extinção. É um privilégio de raríssimos, daqueles que ainda são capazes de ligar um fato atual imposto pela mídia, como tendo sido  originário ou não de alguma mentira histórica. Os livros atuais são pasteurizados e distópicos, para empregar essa expressão tão em voga. Exemplos típicos: as Bíblias de antigamente - antigamente é dos anos cinquenta (do século XX, naturalmente) para trás - traziam todas, indicações como "traduzida pelos monges da Abadia Beneditina de Maredsous", por exemplo. Ou ainda, "traduzida diretamente" do aramaico, ou do grego, ou do latim, com "imprimi potest", "imprimatur" e "nihil obstat", de algum arcebispo, etc. As bíblias atuais são impressas em qualquer gráfica e trazem os textos totalmente dissociados do que se ensinava até uma geração ou duas antes da nossa, de modo que possam ser deglutidas por qualquer ou nenhuma crença. Como experiência pessoal, verifiquei que até mesmo o Alcorão teve suas traduções e edições atuais adaptadas aos interesses dos controladores sociais ou seja, acabou vítima da distopia (onde nas edições anteriores se lia "infiéis", hoje se lê "iníquos", "descrentes" e "pecadores"). Nem os fundamentalismos escapam da rede mundial. Que dizer dos livros atuais que, salvo honrosas exceções, não têm o menor interesse em produzir conhecimento e cultura na mente humana nem como indivíduo, nem como raça.  Enfim, é  por essas e outras que as "open sources"  vão além dos ideais marxistas de dominação, ao ponto de chamarem de "revisionistas" o pessoal do Instituto de Pesquisa Social, a Escola de Frankfurt, nos anos vinte (do século XX), cujos integrantes principais, entre eles Adorno e Marcuse, denunciavam o papel de dominação da comunicação de massa ("mass media") e da indústria cultural, ambas projetadas para destruir tanto o "individualismo burguês quanto o potencial revolucionário da classe operária".  A vida não é mais cor-de-rosa e nem está tudo azul. O mundo está ficando cinzento. Está impossível encontrar conhecimento e, o que é pior, encontrar a Verdade no meio de tanta cinza.

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